sexta-feira, outubro 06, 2006


Para Reflectir!!

"Querida mãe, Querido pai,
Então que tal? Não. Não vou começar assim. O trocadilho com a música dos Rio Grande talvez condiga com o meu estado de espírito actual de alegria e de alívio pela decisão tomada, mas sei que quando encontrarem e lerem esta carta o vosso sentimento será de tristeza, de perda e desespero. Não vem portanto a propósito.

Querida Mãe, Querido Pai,
Demorará decerto algum tempo até estranharem a minha ausência, tão habituados que estão aos meus súbitos desaparecimentos, com os amigos ou sozinho, aqui, para a quinta ou, como ultimamente, para lugares recônditos dos quais nunca vos falei mas que são tão piturescos e bonitos que dariam bem para um livro daqueles que se oferece aos amigos em ocasiões especiais.
Desta vez é a sério. Chega de mentiras, de encobrimentos, de mistificação. De vos olhar nos olhos e dizer uma coisa em que saiba não estarem a acreditar e em que os Pais saibam que eu sabia que tudo não passava de um teatro, de um código, de um embuste.
Durante anos fiz-vos a vida negra. Foi assim, não é preciso dourar a pílula. Desta vez, não. Sei que vos dei os piores pesadelos, as horas mais tristes, o repúdio dos amigos, o isolamento social e, machadas após machadas, roubei-vos, para além de dinheiro e objectos, a vossa vida própria e a vossa vida de casal.
Espero que passados os momentos amargos que certamente se seguirão, o pai e a mãe encontrem a tranquilidade e o sossego que merecem.
Fiquem conscientes de que tentaram tudo, os tratamentos, as comunidades, as mudanças de vida, tudo o que vem nos manuais e nos saberes médicos. Eu é que não consegui. Foi sempre mais forte que a minha vontade. E quando os psicólogos e psiquiatras me fizeram regressar quase ao útero materno e abriram os olhos para as hipotéticas causas de tudo isto, mesmo quando consegui ser espectador e analisar o "filme da minha vida", nunca consegui regressar e encontrar nas pessoas, nas coisas e nos sítios a força que me falta para sair. Não foram os dealers que me melgaram, nem as más companhias que me cegaram. Fui eu que não consegui. Só isso.
Dentro de alguns instantes irei fazer o que decidi. Não vou dizer que vou dar mais um chuto, meter o produto, fazer uma tripe ou outra coisa qualquer. Não. Chega de sofismas, de enganos. O que vou fazer é injectar nas minhas veias um produto tóxico, em quantidades letais. É pura e simplesmente isto. E se ser-se advogado, juiz e carrasco em causa própria pode parecer no mínimo estranho, no meio de tanta anomalia não é mais do que a gota de água no rio.
O Douro está lindo nesta fim de tarde de Setembro. As vindimas já terminaram... Ah!, os caidores estiveram cá mas esqueceram-se da empena junto ao meu quarto, aqui no sotão. Lembre-lhes, fica feio, para quem vê desta janela.
Querida Mãe, Querido Pai então que tal... não, não irei aí pelo Natal. Um abraço. Um beijo. Um grande beijo. E uma enorme saudade por não ter conseguido que as coisas fossem diferentes do que foram. Mas a imensa certeza de que, pela primeira vez desde há muito tempo, sou senhor do meu próprio Tempo do meu próprio Destino. Não será esse, afinal, um previlégio dos deuses?

Do vosso filho"

6 Comments:

Blogger A. Marinho said...

Por momentos pensei o pior. Dá-me para cada coisa!!!
De facto é um testemunho que nos faz reflectir - há casos preocupantes por aí, que requerem muita atenção, amizade e acima de tudo aconselhamento....
Fica bem!!!

PS: Obrigado pela passagem pelo meu espaço - o post não era dedicado a ti, mas acho que tem a ver também contigo e logo também te é dedicado.

8:37 da tarde  
Blogger Luna said...

É verdade que existe muita dor , muito desespero, e que por vezes não entendemos, ou não sabemos como ajudar,no entanto a morte é sempre uma fuga, e estamos neste mundo para aprender, caimos erramos, sofremos, mas há sempre uma saida, precisamos estar atentos, pois a vida é feita de momentos bons e maus.


E tu és novunha , mas estas atenta ao sofrimento
coração bom o teu
beijinhos

9:33 da tarde  
Blogger Serenidade said...

As aulas sortem bons efeitos se estiverem muito atentos e de coração aberto, tal como tu... Realmente é muito triste, primeiro enveredar por caminhos destruidores, de auto destruição; segundo sentir (apesar de se tratar de um sentir irreal) que a única saída é a ausência de vida. As pessoas não percebem (em situações como esta e outras bem menos complexas) que a Vida lhes está a dar uma oportunidade de evolução efectiva, que o ultrapassar os momentos de desespero, de agonia, de isolamento é uma prova a que se proposeram antes de cá chegarem e, ultrapassá-la será a sua vitória... sair vitorioso de todas as batalhas diárias até à grande vitória final.

Pois bem, tu o outros jovens devem olhar o presente, sentir as dificuldades (porque crescer também passa por ter dificuldades e ultrapassá-las) e lutar para as superar. Nada de baixar os braços, nada de sentir "só a mim é que me acontece" ou "porque tem de ser comigo" porque todos são capazes de ultrapassar qualquer tipo de adversidades. Todos é preciso ser realista (como és), optimista, e ter muita força interior (que todos também têm, mesmo julgando não a ter).

Um terno beijinho sereno.

9:59 da tarde  
Blogger Filipe said...

É importante lembrar que a morte é uma fuga, não uma solução! E é uma fuga sem retorno!

Fica bem...

11:29 da manhã  
Blogger Ana said...

Belo testemunho de um problema que atinge muita gente no nosso país... Deviamos reflectir sobre as causas, as consequências e sobretudo sobre o que é necessário fazer para ajudar tantas pessoas que enveredam por esse caminho...
Caminho esse que não as leva a lado nenhum... a não ser a sua propria destruição e também à destruição das pessoas mais proximas...

Beijinho e fica bem!

9:35 da tarde  
Blogger Luna said...

deixo um beijinho de boa semana

9:47 da tarde  

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